É bem conhecido que uma das previsões mais sólidas sobre o efeito do aquecimento global no clima é o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos: ondas de calor, como a que está atingindo o Sul do Brasil; ondas de frio, como as que estão afetando a América do Norte e Europa; inundações, secas, ciclones e tufões. Todas as observações hoje mostram claramente que aumento da frequência e intensidade destes fenômenos climáticos extremos, como preveem os modelos climáticos globais, estão associados ao aquecimento global.
Há uma discussão intensa sobre o que pode ser atribuído às ações antrópicas e o que são causas naturais. Em que proporções podemos contabilizar essas mudanças?
Hoje há um forte consenso entre cientistas de que as alterações climáticas que estamos observando são causadas pela ação do homem. O rápido aumento nas concentrações de gases de efeito estufa (GEE) por causa da queima de petróleo, carvão e gás natural está sem dúvida alterando o clima de nosso planeta. Não há qualquer efeito natural que possa explicar as alterações climáticas que estamos observando, e elas podem ser explicadas de modo científico pelas emissões de gases de efeito estufa nos últimos 100 anos.
Que atividade mais contribui para as emissões de GEE, e como o Brasil participa dessa conta?
Cerca de 90% das emissões de GEE vêm da queima de combustíveis fósseis. Os outros 10% atuais estão associados ao desflorestamento. O Brasil contribuiu em muito nos últimos 8 anos para a redução das emissões globais de GEE pelo desmatamento. Mas este esforço tem que continuar até que tenhamos a questão das emissões pelas queimadas e desmatamento na Amazônia sob completo controle.
O senhor acredita que os episódios mais recentes registrados nos Estados Unidos, de frio extremo, podem mudar a postura da maior nação do mundo, que coloca os interesses financeiros de forma absoluta acima das questões ambientais?
É curioso a questão das ondas de frio na América do Norte terem relação com o aquecimento global. É conhecido que a região Ártica é a região de nosso globo onde as alterações climáticas estão sendo mais intensas. O derretimento progressivo da calota polar é bem documentado, e um aquecimento forte de 3 graus Celsius foi observado no Ártico nos últimos 100 anos. O enfraquecimento do Vórtex Polar está fazendo com que o ar muito frio que ficava confinado às regiões mais próximas do Polo Norte esteja atingindo com mais frequência latitudes mais baixas, atingindo até o Sul dos Estados Unidos, o que não se observava antes. Paradoxalmente, esta onda de frio extremo nos Estados Unidos está ligada também às alterações climáticas causadas pelo aumento do efeito estufa ocasionado por queima de combustíveis fósseis. É muito difícil saber qual o impacto que estas mudanças no clima dos Estados Unidos vai ter sobre a política americana de redução de emissões de GEE. O lobby das companhias de energia no congresso americano tem impedido o governo de implementar políticas absolutamente necessárias.
Estudos mostram que o calor retirado da atmosfera está indo para os oceanos mais profundos. Alguns céticos quanto ao aquecimento global argumentam que isso é prova de que o aquecimento está sofrendo um retrocesso. Essa tese se sustenta?
O papel dos oceanos é muito importante na regulação do clima de nosso planeta. Hoje em dia há uma sólida ciência na questão de mudanças climáticas globais. Atualmente, é consenso entre cientistas, ONU, Meteorológica Mundial, e centenas de organismos científicos que é inequívoco que o homem está alterando o clima de nosso planeta. Estamos alterando também a temperatura dos oceanos mais profundos, que terá impacto negativo pelo menos ao longo dos próximos 500 a 1000 anos.
Até quando o planeta suporta o crescimento populacional e a manutenção do atual padrão de consumo, inclusive de combustíveis fósseis?
Não há dúvida que temos que usar os recursos naturais de nosso planeta de modo mais inteligente e mais eficiente. Eles estão sofrendo uma enorme pressão antrópica. Isso inclui disponibilidade de água, alimentos, plásticos, aço, e tudo que sustenta nossa sociedade. Teremos que gerar eletricidade em larga escala através de recursos renováveis (energia solar e eólica, por exemplo). O Nordeste brasileiro neste ponto tem uma enorme vantagem estratégica que precisamos aproveitar.
Como o aquecimento global interfere na dinâmica oceânica e de que forma isso agrava a erosão costeira?
O nível médio do mar no período de 1850 até 2010 subiu cerca de 20 centímetros. Isso ocorre através de dois fenômenos físicos distintos: a dilatação da água dos oceanos e o derretimento das geleiras continentais. O Nordeste é particularmente vulnerável ao aumento do nível do mar regional e global. Já observamos no Brasil várias áreas com aumento da erosão costeira. Isso precisa ser equacionado. Temos de tomar medidas de adaptação à nova realidade climática.
A transposição do Rio São Francisco tem sido justificada como essencial para mitigar os efeitos da escassez de água no Nordeste. O senhor tem uma posição contrária?
Todos os modelos climáticos indicam que o Nordeste vai ter sua pequena taxa de precipitação ainda mais reduzida. Vai chover menos. Esta variável tem que ser integrada nos planos governamentais de desenvolvimento da região. É possível que depois de gastar muitos bilhões de reais fazendo a transposição de parte do Rio São Francisco não haja água suficiente para esta transposição em menos de 10 anos. Todos os recursos podem estar sendo desperdiçados. Um planejamento cuidadoso tem que ser feito, levando em conta as mudanças climáticas. Uma solução de desenvolvimento para o Nordeste tem que levar em conta as peculiaridades atuais e futuras do clima da região. Definir um modo de desenvolvimento que contemple agricultura, industrialização, pecuária e produção energética tem que ser decidido pelo conjunto da sociedade, em bases científicas, e não atendendo interesses particulares ou políticos locais ou de Brasília.
FIQUE POR DENTRO
Cientista é reconhecido mundialmente
Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP e um dos seis brasileiros que participaram da elaboração do Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), criado em 1988 pela Organização das Nações Unidas (ONU), e que reúne os maiores especialistas do mundo sobre o tema.
Fonte:diáriodonordeste.com
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