Juliana de Faria é fundadora da Think Olga, Organização Não Governamental (ONG) com foco nos direitos das mulheres. Nesta terça-feira, viveu a emoção de encerrar o revezamento da tocha em Fortaleza, ao passar a chama olímpica para Maria da Penha, cuja história influenciou na prevenção e proteção das mulheres em situação de violência doméstica e na punição dos agressores no Brasil, acender a pira. Juliana, de 31 anos, esteve na capital cearense e falou sobre feminismo e esporte. A jornalista comentou sobre o estágio da luta feminista no país e estimou que o monitoramento com relação à forma de cobertura relacionada às atletas será intenso nos Jogos do Rio, em agosto. A criadora do "Think Olga" elogiou a iniciativa de torcedoras do Ceará de lutarem contra a cultura do estupro e por inclusão nos estádios locais e apontou a ex-jogadora de basquete Janeth e a nadadora Joanna Maranhão como inspirações para a luta diária.
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Como foi o convite para participar do Tour da Tocha? 
- Foi uma surpresa. Fui convidada para sugerir um nome para o revezamento. Eles queriam falar com alguém que dialogasse com o público feminista. Isso eu já achei interessante. Então, eu sugeri a Neide, de uma ONG de São Paulo do Capão Redondo, que se chama Vida Corrida, em que ela trabalha com crianças e mulheres da comunidade aproximando-as do esporte de maneira gratuita. Ela é uma pessoa muito maravilhosa. Então, no ano passado, o meu maior sonho era que a Neide pudesse carregar essa tocha, porque ela havia me falado que era o sonho da vida dela (Neide). Depois, fiquei sabendo que fui indicada pelo voto popular. Foi muito bacana. Depois, fiquei sabendo que ia passar a Tocha para a Maria da Penha. Muito emocionante. Esse cenário e o que ela representa. A luta dela é uma das maiores conquistas no feminismo brasileiro. Eu sei que a gente tem muito o que fazer ainda. Tem muito o que lutar, a violência doméstica ainda existe, mas a gente está amparada pela lei. É legal a gente perceber que dentro de um evento como a Olimpíada, que também representa força, alegria, coletividade e vitória, a gente não esquece o tema de violência contra a mulher, que está em todo lugar. 
Maria da Penha e Juliana de Faria (Foto: Henrique Arcoverde)
Se você pudesse resumir em uma palavra esse sentimento de entregar a Tocha para a Maria da Penha, qual seria? 
- Coragem. 
Neste momento em que a Olimpíada chega ao país, como está o estágio da luta feminista? Como está a mobilização e qual a atleta mais representativa nessa luta? 
- Acho que estamos 8 ou 80. No momento em que o feminismo vem avançando com força, estamos tirando muitas coisas debaixo do tapete. Isso é muito forte e poderoso. Entendo que ao mesmo tempo a gente pode sentir até uma certa desesperança, porque essas coisas estão aparecendo. E parece que nunca foi assim. Mas estamos falando de algo que sempre aconteceu. E eu olho por isso. As nossas vozes estão sendo escutadas. Vou citar o caso do cantor MC Biel, que carregaria a tocha olímpica e foi cortado em Fortaleza. É condizente, porque foi em um dia com a pauta da violência contra a mulher muito forte. Eu e Maria da Penha aqui em Fortaleza. Não faria o menor sentido. A atleta que é representativa é a Joanna Maranhão, uma aliada gigante na nossa luta. Teve coragem de contar a história dela. Ela é um grande exemplo e um conforto para outras mulheres que foram vítimas de abuso e assédio. A Janeth, do basquete, que é uma mulher negra, muito inspiradora. A Janeth tem o instituto dela, trabalha com crianças para aproximar do basquete, e com foco em meninas. Ela fala da diferença salarial, de espaço, a diferença de olhar para o feminino. Que bom que elas se posicionam. E as meninas do rugby, como Isadora Cerullo. Elas representam a força de todas as formas. Elas fizeram um aulão com a gente no fim de semana passado. Elas têm a força de colocar um esporte que as pessoas não sabem ainda muito bem e são campeãs. 
A torcida do Ceará é formada por uma parte de mulheres que vêm lutando por causas feministas. Nos jogos, elas levam uma faixa assim: "Lugar de mulher é onde ela quiser". Mais recentemente, lançaram: "Não mereço ser estuprada". Como o envolvimento das torcedoras pode ajudar a diminuir o machismo nos estádios? Isso inibe as ações dos torcedores? 
- Acho que é perfeito. Tem que fazer parte cada vez mais, porque são nesses espaços que a gente vai conseguir atingir públicos que normalmente a gente não atinge. Eu sei que o meu trabalho feminista e ativista é importante, mas também compreendo que, às vezes, eu encontro alguns limites na minha própria bolha. Estar no estádio, imagina quantas pessoas a gente não atingiria de outro jeito, então que bom que essas mensagens estão sendo veiculadas e que estão sendo bem aceitas. Isso representa muito. Não são todas as torcidas que toleram essas mensagens. 
Juliana de Faria, em Fortaleza (Foto: Divulgação/Think Olga)
Torcedores do Atlético-MG acusaram o desfile do novo uniforme de adotar tom machista. Na blusa, tinha "Dê à sua mulher", além de reclamação de que o clube teria sido machista e sexista ao vestir a maioria das mulheres que desfilaram no evento com apenas uma peça do uniforme (camisa ou calça). Antes, as vozes femininas eram mais escutadas? Ou as redes sociais deram essa visibilidade às mulheres?
- A gente acredita muito no poder das redes e da internet, que, eu sei, não atinge todo mundo. Mas a gente atinge quem a gente consegue, de uma forma muito barata. É um trabalho que a gente consegue fazer uma história acessível. A gente lançou uma campanha "Olga Esporte Clube", e a ideia é aproximar a mulher do esporte. Passando em outros temas, como os times que não valorizam torcedoras sócias. Mesmo sabendo que têm muitas torcedoras, eles tratam as mulheres como fez o Atlético-MG. Fizemos essa primeira pesquisa sobre prática de esporte com recorte de gênero. Números que mostram que, quando a gente é criança e perguntam o motivo de fazer esporte, diversão é a primeira palavra que vem à cabeça. O jovem e adulto falam em emagrecimento. A gente traz essa vontade de fazer esporte e faz as ações pela internet. Vamos lançar uma ferramenta para a ajudar mulheres que jogam, para que elas criem times e façam isso em segurança também. 
O que você pensa ou prepara para os Jogos do Rio em termos de "monitoramento" de atos machistas, seja na mídia (notícias) ou até na conduta do dia a dia? Como "monitorar" isso? Acha que vai ser mais positiva com relação à figura feminina do que Londres 2012? 
- Honestamente, não saberia dizer se vai se manter ou se vai diminuir. O que eu digo é que a gente vai estar alerta e que não vai passar. A objetificação da mulher no esporte é algo que está no nosso radar, e a gente vai denunciar e jogar no spotlight o que aparecer. A gente vai expor, criticar, problematizar e explicar por qual motivo é errado. Vai ter uma boa patrulha feminista querendo humanizar essa cobertura, e a gente não pede muito aos meios de comunicação. 
No Pan de Toronto 2015, Ingrid Oliveira, dos saltos ornamentais, postou uma foto de maiô (uniforme do seu esporte) e recebeu comentários de cunho sexual no Instagram. Como combater isso? 
- A gente trabalha muito com violência online contra mulher. A gente sempre fala que a internet é muito violenta para todas as pessoas que estão nela, por conta do anonimato, porque as pessoas se sentem livres para xingar. Contra minorias, em geral. Para mulher, é mais sexualizada. É de "puta" até "vou te estuprar, cortar seu corpo em quatro e jogar para os cachorros", e não é mentira, eu não inventei isso. Isso é amedrontador, porque é real. A cada 11 minutos, uma mulher sofre violência no País. A Ingrid posta a foto com um maiô, com uma roupa de trabalho, e os comentários são assim, porque a gente sexualiza muito as mulheres. As opções que as mulheres tomam são muito mais complexas do que essas coisas rasas. 
Nos Jogos do Rio, que outra causa você acha que merece atenção? 
- Espero que a gente fale com muito mais força sobre o racismo. Urgente! Algumas mulheres sofrem racismo e machismo, e isso é urgente que a gente coloque na pauta e debata. Porque é muito importante para todos. É um momento em que, até um ano atrás, a gente achava que ia lutar por mais direitos. Hoje, a gente precisa lutar para segurar os direitos adquiridos e lutar também por mais direitos. 
Qual o recado você daria para os homens que ignoram o feminismo? 
- Colegas, estudem. Vamos abrir os ouvidos para outras histórias. Precisamos saber que existem vivências diferentes. E que é preciso respeito. As pessoas pensam que é "mimimi" e exagero e não mantêm o diálogo. Acho o diálogo seria o ponto fundamental. 
FONTE:G1/CE TOUR DA TOCHA

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