sexta-feira, 31 de maio de 2019

Maioria dos mortos pela polícia cearense são jovens entre 15 e 29 anos

O número total de jovens de 15 a 29 anos mortos por agentes da Segurança Pública no Ceará entre 2013 e 2018, em eventos considerados como intervenções policiais, representou 62,1% do total de homicídios cometidos pelas forças do estado, ou seja, 417 das 671 vítimas tinham essa faixa etária.

Nesta quinta-feira o G1 publicou um aumento de 439% no número de mortos por intervenção policial no mesmo período.

Os dados dizem respeito às informações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI). No período, o aumento percentual de assassinatos juvenis foi de 640%.

Em um dos casos que mais chamou atenção no Ceará, oito jovens foram assassinados no caso que ficou conhecido como Chacina do Curió. Mais de 40 policiais são suspeitos de envolvimento no caso.
Número de jovens mortos no Ceará por intervenção policial
Pessoas com idade de 15 a 29 anos
202035355151676796961481482013201420152016201720180255075100125150175
2015
51
Fonte: SSPDS
A concentração de assassinatos cometidos por forças policiais denuncia um perfil majoritário de quem morre no território cearense. Segundo a socióloga Geísa Mattos, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que pesquisa movimentos contra o racismo e a violência policial, esses jovens têm a sua vida vulnerabilizada pelo governo.

"O estado não protege as vidas dos jovens das periferias, ao contrário, é um dos principais responsáveis pela morte prematura desses jovens. Tanto quando são os próprios agentes que estão matando, mas também quando aquelas mortes não são causadas diretamente pelo estado, já que esses jovens não têm nenhuma proteção para ter suas vidas resguardadas", afirma a professora.

De acordo com Geísa Mattos, falta ao governo realizar ações voltadas à juventude cearense a fim de fazer com que esses homicídios sejam reduzidos. "A única política pública para os jovens no estado é o que eles chamam de segurança pública, ou seja, é a mão armada do estado, que é pegar esses jovens e ou matar ou colocar dentro de uma prisão. Quando você não tem outra política pública, certamente essas mortes só irão aumentar."

Na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, funciona desde 2016 o Comitê pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. O colegiado observou durante pesquisa de campo que a relação entre os jovens e a polícia era de tensão, uma vez que o tratamento dos profissionais tinham marcas de agressividade.

O comitê recomendou que Governo do Estado fortaleça as estratégias de segurança comunitária, promovendo a articulação entre os agentes de segurança pública e as redes de serviços socioassistenciais.

Conforme o relator do grupo, o deputado estadual Renato Roseno, os jovens são mais vulneráveis aos confrontos nos territórios das cidades. "Quem está mais vulnerável às organizações criminosas são os mais jovens, que estão ocupando o espaço urbano. E existe um estereótipo sobre os mais jovens de que eles já são considerados perigosos socialmente. Juventude não pode ser vista como um risco, tem que ser vista como possibilidade, como vida, como potência", considera Roseno.

Para o relator do comitê, a ideia é de substituição do modelo de enfrentamento patrocinado pelo Estado por um modelo comunitário. "Nós temos que substituir uma relação conflituosa por uma relação de respeito. A sociedade tem que ver o policial com respeito e o policial tem que ver o cidadão com respeito. Hoje, é uma relação de medo mútuo, de confrontação", lamenta.

Problemas na identificação

Os números de jovens vítimas de homicídio por forças de segurança se tornam ainda mais problemáticos quando as questões da identificação de idades e dos corpos de pessoas mortas por policiais são postas em pauta.

Ao todo, 156 idades não foram identificadas pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce), o que denuncia uma possível subnotificação da juventude cearense que foi assassinada nos últimos seis anos. Com relação aos corpos, 55 pessoas não foram reconhecidas nos últimos seis anos.

A Pefoce informou, em nota, que "o principal desafio (na identificação de corpos) está atrelado à família (da pessoa morta) comparecer e fornecer documentos e material biológico para a realização dos procedimentos". O órgão explicitou que "trabalha para aprimorar o sistema de banco de dados internos e ampliar o Laboratório de DNA Forense". A instituição utiliza atualmente três técnicas de identificação: a Papiloscopia, o DNA Forense e a Odontologia Forense.

O resultado apresentado pela papiloscopia, por exemplo, dura entre 30 minutos e 72 horas. O procedimento é responsável por cerca de 90% das identificações realizadas em todo o Estado. Nela, há uma confrontação entre a digital do cadáver e os documentos (encontrados com o corpo ou levados pela família), no qual estão nome completo, filiação e idade.

Segundo a Pefoce, o tempo de avaliação do resultado varia em razão "das condições das impressões digitais do cadáver, das impressões digitais do documento e da análise no sistema interno". Identificações por DNA e Odontologia forenses representam, segundo a Perícia, os 10% restantes dos reconhecimentos no Ceará.

Localização


Polícia Militar do Ceará — Foto: TV Verdes Mares/Reprodução

O número de homicídios provocados por intervenção policial, entre 2013 e 2018, no Ceará, teve seu maior número concentrado em apenas um município. A capital Fortaleza apresentou 35,6% de todas as mortes por agentes de segurança dos últimos seis anos, ao todo 239 homicídios, quase nove vezes mais que a segunda colocada, a cidade de Caucaia, na Região Metropolitana, que contabilizou 27 assassinatos.

Maracanaú (19), Russas (17), Quixadá (16) e Aracati (16) vêm em seguida na listagem feita a partir dos dados oficiais obtidos pela Lei de Acesso à Informação. Dos 184 municípios cearenses, houve mortes em decorrência de ação policial em, pelo menos, 103 deles.

Embora os dados solicitados à SSPDS tenham requerido localização precisa, como logradouros e bairros de cada cidade, a pasta optou por repassar informações apenas com classificações de município e Áreas Integradas de Segurança (AIS) - divisão utilizada na área que, segundo o Governo do Estado, ajuda no aperfeiçoamento da integração das forças de segurança.

Atualmente, o estado é dividido em 22 AIS, as 10 primeiras ficam exclusivamente na capital; as demais aglutinam municípios de regiões distintas. Neste tipo de classificação, a área que mais teve homicídios por policiais foi a AIS 18, que compreende municípios das regiões do Litoral Leste e do Vale do Jaguaribe, como Aracati, Russas e Limoeiro do Norte.

Casos em Fortaleza


Giselle Távora foi baleada quando dirigia em ação errada de policiais militares — Foto: Arquivo pessoal

Em Fortaleza, as áreas com maior número de mortes em razão de atuação policial foram as AIS 5 e 7, com 40 assassinatos cada uma. Na AIS 5, ficam bairros como o Dendê, Serrinha e Aeroporto; a AIS 7 congrega comunidades como Aerolândia, Cidade dos Funcionários e Passaré.

No dia 11 de junho de 2018, há quase um ano, um soldado da Polícia Militar matou a universitária Giselle Távora, de 42 anos, enquanto ela vinha dirigindo seu veículo pela Avenida Oliveira Paiva, na Cidade dos Funcionários (AIS 7).

O carro de polícia havia dado sinal para que a mulher parasse o veículo mas, com medo de ser mais uma vítima do crime organizado no Estado, Giselle continuou seguindo com o carro até ser atingida por um disparo de arma de fogo, nas costas.

A universitária morreu no dia seguinte, no Instituto Dr. José Frota (IJF). Já o policial disse ter atirado “em direção do pneu”. Para apurar o caso, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) afastou o PM das suas funções até o fim do processo de investigação da morte. Embora já esteja atuando na Corporação, a conclusão do processo disciplinar administrativo aguarda apenas a decisão da controladora geral Cândida Maria Torres de Melo Bezerra.

Já na AIS 18, um grupo de sete pessoas foi assassinado em Russas, região do Vale do Jaguaribe, no fim do ano passado. Eles tentavam interceptar um carro-forte na BR-116 para roubar o dinheiro que estava sendo levado, mas foram parados por agentes do Comando Tático Rural (Cotar), do Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e do Batalhão de Rondas de Ações Intensivas e Ostensivas (BPRaio).

Três dos suspeitos foram mortos no local, os outros quatro teriam sido assassinados durante uma caçada pela região. O coronel responsável pela operação disse, à época, que a operação foi “exitosa” e ressaltou que os criminosos estavam “de colete e com vasto arsenal”. O caso está sendo investigado pela CGD.

FONTE:G1/CE

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